terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Madagascar - Moçambique

Depois dos 32 dias da travessia sem escala do Oceano Índico chegamos em Madagascar e ancoramos em uma baía onde há uma pequena marina.

Em pouco tempo encontramos pessoas que falavam português. Eram nativos de Moçambique, do outro lado do Canal, já no continente africano.

Logo nos arranjaram um taxi, e partimos para fazer a papelada.

Desde que chegamos reparamos que o povo é muito simples e que muitos sobrevivem graças a minúsculo comércio – uma tábua em cima de dois caixotes e pequena quantidade de tomates, alho ou cebola para vender. Nas poucas ruas pavimentadas as “vendinhas” e barzinhos, de tábuas, com teto de ramos de palmeira são o que mais se encontram. No centro da cidade (“ville”), aqui, todos falam francês e malagasse, o comércio é mais forte com lojas em alvenaria, simples mas bem arrumadas.

No supermercado não encontramos muita variedade. Cartões de crédito não são aceitos, assim a caixa ATM é sempre o primeiro lugar a ser visitado. O mercado de hortifrutas sempre é muito bom em todos os lugares. A carne, aqui, é vendida no mercado...e também na rua de terra. É fácil de identificar a carne – estará sempre coberta de mosquitos. As ruas e o lixo há muito que não veem garis.

Ficamos três dias ancorados neste local para preparar o barco e completar combustível – o que não foi uma tarefa tão fácil. Em Nozy Be, onde estávamos não há posto marítimo, logo teríamos que fazer viagens com o bote até a marina com galões e da marina pegar um taxi até o posto onde regressaríamos para o barco.

No dia seguinte saímos pela manhã e fomos pernoitar em uma ilha ao sul. Muito bonita.
Ficamos encantados com o quanto os baobás são bonitos, grandes e imponentes. Alguns lêmures numa pequena ilha se alimentavam nas árvores.

Um nativo aproximando-se com sua pequena canoa tentou vender-nos algumas frutas. Respondemos que não tínhamos dinheiro (“pas d’argent”). Assim que ele estava partindo oferecemos uma camiseta, já que a dele estava muito rasgada.  Retornou, aceitou, e a seguir apanhou algumas frutas e entregou-as para nós dizendo é um presente (“cadeaux”).
Logo mais tarde apareceram outro nativo, esposa e criança... e mais outro e mais outro. Repetíamos sempre “padarjam” e ouvíamos sempre “cadô...cadô”.
Já estávamos preparados para escambo.

Nós oferecíamos camisetas, shorts, bonés e comida.

Dentre os presentes viam-se muitos limões, mangas deliciosas e muito duráveis, bananas, mamão, ovos de pata e até uma lagosta que ficou excelente.

Por último, no dia seguinte apareceu um casal e o ritual foi o mesmo. Já saindo, após as trocas, a esposa não deixou para depois, retirou sua camiseta, ficando nua da cintura para cima, colocou a nova, que acabara de ganhar, sorrindo sempre, mostrando sua boca faltando muitos dentes, numa cena tocante e divertida para nós e, para eles com certeza e se foram.

Foi incrível.

Pessoal super amistoso e que nos cativou. Nâo foi a primeira vez que fomos abordados. Depois de ver o quanto são simples naquela região, não custa ajudar, e acabamos sendo ajudados.

Passamos por várias baías nesses dias.

A estação de ciclones ainda não havia chegado mas nessa época sempre ocorre alguma depressão mais forte que chega até aqui e até mais próxima à fronteira da África do Sul. Assim, tínhamos que partir.

A próxima travessia seria de 700 milhas e necessitaria de uma boa janela de tempo.

Entre Madagascar e a África continental há o Canal de Moçambique que varia de 500 milhas à 200 milhas na sua parte mais estreita.

Próximo a parte mais estreita partimos para oeste, para o continente africano, de encontro a Corrente de Moçambique que segue para o sul acrescentando de 1 a 3 nós na velocidade do barco.

Quando temos internet utilizamos o PredictWind e o Windity.

Quando não temos, o que ocorre nas travessias, utilizamos o Sailmail, usando o Iridium como modem para baixar GRIBs. Também utilizamos o SSB para receber meteofax, boletins meteorológicos e para NETs.

Via Iridium também fazemos conversação via satélite ou MSG. A MSG é o meio mais comum de contato com nosso amigo Hugo, hoje na Nova Zelândia. Hugo, é uma pessoa que acompanha há anos a trajetória dos meus avós e os auxilia com previsões. Ele nos passa diariamente a previsão de tempo para os próximos dias buscando websites e modelos diferentes até comunicação de navios passando pela nossa área.

Temos três relógios iguais e juntos na antepara, marcando o fuso da Nova Zelândia um, a hora local e a hora do Brasil os outros dois. O da NZ toca o esperado alarme todos os dias às 18:20 horas, quando trocamos dados.

Enfim, barco totalmente reabastecido partimos para a ilha de Bazaruto, Moçambique. 


Mulheres de Madagascar





Nozy be



Comércio em Nozy Be



Eu e o baobá

Eu e minha avó, na frente de um baobá



Glória do filme "Madagascar" em Madagascar

Escambo com Nativos

Escambo com nativos

Fruto do escambo

Fruto do escambo



terça-feira, 10 de janeiro de 2017

32 dias sem escala navegando no Oceano Índico

Estávamos muito ansiosos pelo que viria pela frente, principalmente eu - porque seria minha maior navegação.
Estávamos preparados para 36 dias em 3.710 milhas, sem parada, da Ásia até a África, saindo de Sunda Strait, Indonésia com chegada em Nosy Be em Madagascar.

Nossa viagem não começou aí. 

Fizéramos manutenção e pintura em Lumut-Malasia, de onde iniciamos nossa jornada em 03 de setembro. A intenção inicial era a de deixar a Ásia via norte da ilha de Sumatra. Amigos nossos, dias antes tentaram por esse caminho, mas encontraram correntes muito fortes e vento contra entre 35 e 45 nós impedindo-os de prosseguir. Tiveram que retornar para o estreito e aportar na Tailândia, onde foram muito bem recebidos pelas autoridades, apesar da documentação de saída ser com destino à Madagascar. Tentarão na próxima temporada.

Decidimos por isso seguir para o sul através do Estreito de Málaca. Passando pelo movimentadíssimo canal de Cingapura, sempre atentos com rádio, GPS, AIS e radar, fomos chamados via rádio pela polícia marítima, que logo nos liberou e pudemos prosseguir até a Indonésia onde fizemos uma parada estratégica na ilha Belitong - lugar encantador e paradisíaco com pessoas super solicitas.

Ficamos ali 5 dias esperando o melhor tempo para prosseguir até o estreito de Sunda, entre as grandes ilhas de Java e Sumatra, ainda na Indonésia.

No estreito fomos pernoitar em uma baia próxima a Ilha de Krakatoa, para daí fazer a grande travessia. O filme “Krakatoa, o Inferno de Java” conta a história da grande erupção vulcânica causadora de mais de 36 mil mortes. Com essa decisão acrescentamos 16 dias e 951 milhas até a África

Zarpamos em 19 de setembro.
Mar muito calmo e pouco vento. Cruzamos com alguns navios, e fizemos turnos para o dia todo, para ficar menos desgastante, pois teríamos mais 3700 milhas pela frente.

No terceiro dia o vento aumentou. Ficamos felizes, todos nós gostamos de ver o Kanaloa velejando.

No quarto dia à noite logo após meu turno, meia noite e pouco, ouvimos um barulho muito alto e metálico.

O avô constatou que dois estais de boreste estavam soltos e que logo pela manhã teríamos que começar os trabalhos.

Logo cedo o meu avô já estava no mastro - o mar estava grande. Com muita dificuldade e ajuda de todos, o capitão conseguiu solucionar o problema. No barco tem que estar preparado para tudo, por isso havia material para troca da peça que se rompeu.

Problema resolvido, aliviados, voltamos a velejar dentro do rumo.
Mas no sexto dia, aquele barulho novamente. Não acreditamos, o Kanaloa só tinha rompido aquela peça duas vezes, uma no oceano Pacífico em 2012 e há dois dias atrás.

De novo o meu avô subiu, desta vez uma rosca estava dando trabalho. 

Numa das subidas ele ficou uma hora e quarenta lá em cima. Mas felizmente conseguiu!

E lá vamos nós, a todo pano... Não!!! Aqui a prioridade é chegar com segurança e material em dia e não rápido, forçando material. Então colocamos a mestra no segundo riz (diminuindo a área vélica) e a traquete (uma vela de proa, menor que a genoa).

O mar aumentou depois deste dia e os ventos rondavam 15 a 20 nós com rajadas de até 30. O problema não é o vento forte, mas a direção das ondas que faziam o barco balançar e cabecear ficando muito desconfortável. Uma ou outra onda de vez em quando entrava no cockpit, apesar de todo fechado chegando a molhar a mesa de navegação.
O barco balançou bastante mas nos acostumamos rápido, que assistimos filme quase todos os dias, com direito a pipoca.

Não tivemos mais nenhum grande problema.

Dia 13 de outubro, foi aniversario da minha avó Eliza, e não pense você que o balanço a intimidou na cozinha. Ela fez sua famosa torta. É para poucos comemorar o aniversário no meio do Oceano Índico.

No cabo D’Ambre, já Madagascar as rajadas chegaram a 41,9 nós. O Kanaloa levou bastante agua, mas passamos muito bem o cabo. Quando estávamos chegando em Nosy Be os ventos mudaram e desapareceram novamente, como esperado, pois ficamos atrás de terra, a sotavento.
Foram 32 dias e meio de navegação. Que nunca esquecerei. E ficaria mais 30 tranquilamente.

Agora estamos em Madagascar mas logo partiremos para Africa do Sul, onde esperaremos a próxima estação para cruzar o Oceano Atlântico e voltar onde tudo começou.